quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

JASMIM















No toca-discos a música “Words don’t come easy” estava na ponta da agulha, e a sala estava iluminada pelo sol da manhã que passava por uma janela do tipo guilhotina, com o vidro dividido em retângulos e as venezianas totalmente abertas e presas pelo ferrolho na parede externa. 

A cortina branca, com detalhes em onda marrom e bege, parecia uma renda. Dava um aconchego e acabamento muito agradável para a sala, que tinha um sofá longo e uma poltrona de vinil laranja.

Sobre o piso de madeira, encerado e lustro, ele dançava a música. Tentava cantar algo parecido com o que a melodia lhe parecia ser. Estava feliz e achava muito agradável o início da música. Aqueles sons, quando fechava os olhos, transportavam ele para um universo imaginário, que ele podia ser quem ele quisesse.

As caixas de som em madeira, assim como o toca discos e a televisão ficavam em um móvel com linhas modernas, design dos anos 70. Fazia a divisão entre a sala de televisão e a sala de jantar.

Era, nesta sala, sob a mesa com pés de ferro e tampo em fórmica jacarandá, que a brincadeira preferida acontecia. Com um cobertor sobre a mesa, caindo para os lados, ele a irmã mais velha brincavam de barraca. Não que a casa não tivesse terreno suficiente para brincar numa de verdade, que inclusive era feita com uma lona entre dois troncos de árvores próximo da garagem, mas, sob a mesa, à noite, e com uma lanterna, histórias surgiam sem a preocupação de ter que entrar, fosse por causa do frio, sereno ou horário.

Nesses dias ensolarados de final de ano, o jasmim começava a liberar o perfume característico para o natal naquele lar. Era a flor preferida do avô materno. Quando esse perfume surgia, logo o natal também chegava. 

Essa época era mágica, quando as aulas já se findavam, e a caixa com os enfeites de natal, ritualisticamente, era retirada do armário e aberta. Os enfeites eram de vidro, não tinham ainda esses de plástico. Eram tratados com muito cuidado, uma vez que eram caros e alguns herdados da avó materna que, há muito tempo, estava cuidando de todos lá de cima.

O pisca-pisca era o ponto máximo de todo o evento de enfeites e paramentações para o natal. Era disposto ao longo dos suportes dos vasos de samambaia que ficavam na varanda de frente para a rua. Cosmo não via a hora da noite cair, pois queria ver as luzes piscando e sentir o aroma do jasmim. E como tudo que é esperado por uma criança, dentro do seu sentimento a noite tardava mais que o normal para chegar.

Na porta de entrada era colocado um enfeite com um sino, feito pro sua mãe. Não era um sino comprado, mas feito de artesanato por ela mesma, usando um copo plástico pintado de um verde sálvia e uma pequena bola de vidro na cor de um rubi. Ao longo da boca do sino fora colado algodão. O arranjo com o sino ainda contava com uma corda de fitas metálicas vermelha e prata. Era simples, lindo e ele sentia que a porta da sua casa era a mais bela da rua, assim como o jardim que sempre era florido. 

Naquele ano, a surpresa do natal seria algo que acompanhariam sua irmã e ele por muito tempo. Naquele natal, uma piscina plástica de montar foi o presente que os irmão dividiram. Sim, um presente para os dois. Mas em nenhum momento ficaram tristes! Estavam entusiasmados com a possibilidade de passar horas na água durante as tardes de verão.

Como não seria diferente, a sua prima, filha da irmã de sua mãe, se juntava para os banhos de piscina e era uma alegria só. A sensação de sair da água, morrendo de fome, e encontrar um bolo de chocolate, a tradicional nega-maluca, faziam as tardes serem perfeitas. Como poderia a vida ser melhor?

Naquela época, a vida era simples, porém riquíssima. As palavras surgiam de forma leve e fácil, pois eram tão espontâneas que nunca teriam a pretensão de dizer algo que não fosse o mais puro sentimento. 

Passado mais de 30 anos, o jasmim ainda floresce, porém, a música “Words don’t come easy” tem outros significados. Quando ouvida de olhos fechados, a sala iluminada pelo sol da manhã surge nos pensamentos e quase é tangível. Porém, de olhos abertos, ela traz o significado literal. As palavras não vem de forma fácil, porém as lembranças sim, com bolo de chocolate e perfume do jasmim.

quinta-feira, 10 de março de 2011

HORTELÃ

"Nós, para os outros, apenas criamos pontos de partida." Simone de Beauvoir







Havia frescor naquelas palavras! Aquela sensação de folha de hortelã na boca. O café foi servido em xícaras brancas, com alças arredondadas e um pires de formato oval. Primeiramente o café au lait, cremoso e com um tom perfeito para Luigi. Ele não gostava de café, mas aceitou com leite pela circunstância. Mesmo o café não sendo perfeito ao seu paladar, ele perfeitamente acomodou-se na cadeira estofada. Sentia-se envolvido por um tipo de calor que nem no verão traz incômodos.


A segunda xícara, com seu negro conteúdo, fazia apologia aos sabores encorpados. Sem açúcar, quente e revigorante. Cosmo tinha a curiosidade de saber se, ao terminar aquele café, a borra lhe traria alguma imagem que o remetesse ao futuro.


Risadas, constantes e intercaladas com goles prazerosos para Cosmo e resignados para Luigi. De forma alguma a resignação ao sabor do café era um problema. Era uma condição, tão simples e assimilada que em nada interferia naquele momento de pensamentos rápidos.


Não era simplesmente um encontro. Existiam dois universos de experiências de desapegos, vaidades feridas e receios do intangível. E mesmo nesse panorama quase trágico as risadas ecoavam com facilidade e temperatura.


Olhando os cabelos de Luigi, Cosmo percebera que realmente cabelos com um comprimento maior pertenciam com veracidade a poucos. Ele já os teve, e não a muito tempo ainda os trazia impecáveis. Mas para Cosmo isso fora um tempo que precisava de algo que o preocupasse diariamente. Assim ele não tinha tempo para entender suas outras tarefas íntimas como um sacrifício. A vida ficava mais leve sob os cabelos longos. Precisavam ser lavados, hidratados, secados e escovados. Depois de todos esses passos, ficavam naturais e despretenciosos como os de Luigi. Para Luigi estar com seus cabelos perfeitamente ordenados, só fora necessário lavá-los com um shampoo qualquer e o vento se encarregara do resto.


Cosmo tinha uma necessidade de se comunicar. E isso não era feito de forma cansativa, na maioria das vezes. Ele discorria com seriedade sobre assuntos, fazia perguntas diretas e com naturalidade conseguia descobrir tudo que queria sobre alguém. Com Luigi não seria diferente. O método seria o mesmo, mas dessa vez o objetivo seria outro. Esse teatro das palavras que Cosmo normalmente envolvia suas vítimas era como a preparação de um prato. E disso Cosmo entendia! A vida era como uma receita para ele. Vendo os ingredientes que se tem à disposição, fazia-se o possível. E com isso Cosmo extraía de seus relacionamentos os elementos necessários para entender no seu íntimo qual o paladar que ele deveria aguçar, quais os temperos a utilizar e como harmonizaria isso tudo. Desta vez ele não estava pensando em receita nenhuma, tentava não deixar de ser quem era, mas queria utilizar seus talentos para entender que a vida já podia oferecer-lhe um plat du jour. Se fosse saboroso e o fizesse feliz, poderia ser servido todos os dias, sem necessidade de sair à procura de outros menus, ou introduzir temperos externos e horas de dedicação para uma refeição.


Os cafés já haviam terminado. Cosmo deixara um pouco no fundo da xícara, como de costume, mesmo curioso por saber sobre as previsões da borra, não mudaria seus hábitos por isso. Luigi deixara uma quantia maior na xícara, mas havia adorado a cheesecake indicada por Cosmo. Os tons de vermelho do coulis de fruit rouge da cobertura faziam os olhos felizes só de olhar. O sabor era mágico, a textura do chantilly impecável.


Fazia uma hora e meia que estavam falando, rindo e oferecendo os seus melhores “eus”. De forma espontânea olharam-se em sincronia e, com um olhar de “agora”, levantaram-se. Cosmo fez questão de pagar a conta, não por reservas de poder, como normalmente isso soa, mas por uma gentileza. Uma vez que Luigi havia dirigido de outra cidade até a capital para se encontrarem, seria o mais correto.


Um senhor que estava sentado no fundo do café, observara todo aquele encontro. Ele não o fizera para invadir a privacidade deles. Tanto não fora invasivo, que nem sua presença fora notada. Ele tirou os óculos e repousou-os sobre o jornal. Uma xícara de chá dividia a mesa com o noticioso e um prato de biscoitos amanteigados. Com um movimento típico das pessoas que lêem muito, coçou os olhos lentamente. Ao buscar o casal que prendera sua atenção durante tanto tempo, percebera que eles já haviam desaparecido na praça que encontrava-se à frente do café. O aroma de hortelã do chá veio aos seus sentidos e buscou, assim, a xícara, sorvendo um gole com satisfação.

sábado, 6 de novembro de 2010

O Calor da Fé

Quando a sua timidez o fazia encolher-se na carteira, mal ele sabia que seria pouco o tempo de se manter escondido do mundo. Era esperto, caprichoso. Seus desenhos acariciavam a idéia de um mundo colorido. Primeiramente uma cor homogênea, com a ponta arredondada do lápis de cor, cobrindo todo o espaço dentro dos limites. Seguia com uma cor de matiz mais intenso, coordenante ao tom do fundo. Esta criava a sensação dos vincos e ondulações das vestes de Jesus no livro da aula de religião.

Era mágico como as cores faziam a fé ser algo mais tátil. Num mundo em que o julgamento era algo presente a todos os movimentos, a fé necessitava de cor, de voz e calor.

A parte colorida da fé ele resolvia bem. A voz ficava por conta de sua mãe, que mesmo não sendo fervorosa, criava uma aura respeitosa sobre Jesus, Deus e a vida.

Todos os dias após a aula, ele e sua mãe seguiam com passos já muito conhecidos o caminho de casa. Como sempre, as flores não faltavam. Estas eram levadas ao lugar onde o calor da fé existia para ele.

Não muito longe do colégio, seguia ele respeitosamente de mãos dadas com sua mãe, e fazia o sinal da cruz logo na entrada. Ao seu redor era sempre aquele mesmo cenário, às vezes com mais pessoas, outras sem viva alma. Era um lugar silencioso e que muitos tinham medo. Ele não entendia o medo pertencer ao lugar do aconchego da sua fé.

E lá estava ela, sua avó! Querida avó, doce e amável. Sempre com um soriso ao vê-los chegar. Ele sabia que sempre a encontrava lá. Sua mãe sempre soria e respeitosamente entregava as flores. Era um momento que sentia a fé entrar em seu coração, e fazia entender que a vida não tinha sentido sem ela.

Já em casa, sempre perguntava como era a avó quando sua mãe era pequena, se ela era brava... Com ele, sempre ela soria, mas sabia que as avós eram mães com mais açúcar que o normal. Sua mãe sempre com boas recordações e sempre com saudades daquele tempo em que era pequena e o mundo era só um lugar grande, deixava claro que a vida era um mistério.

O menino cresceu, as visitas à sua avó ficaram mais exporádicas uma vez que havia mudado de escola e não passava mais pela frente do lugar que sempre a encontrava. Às vezes ela vinha à sua casa, rapidamente, dava um beijo e já tinha que ir. Ele entendia que era assim, muitas vezes só sentia ela por perto, principalmente quando dormia.

Mas eventualmente, sua mãe e ele colocavam-se na rua para visitar a avó. E assim a fé mantinha o calor. Os desenhos já não mais faziam parte dos seus deveres de religião e a cor estava esmaescendo, a voz da fé mantinha-se no timbre das palavras de sua mãe. O tempo iria encarregar-se de trazer a cor novamente, diferente das dos desenhos, mas vibrantes e vivas!

E o menino crescido tornou-se um homem adulto. E nessa mudança, distanciou-se da voz e do calor da fé. Era outra cidade, outro jeito de viver. No começo tudo novo, muitas mudanças em quatorze anos que se seguiram. Até o momento em que a vida lhe questionava novamente a sua fé. Ele não havia desacreditado do divino, das coisas de Deus. Ele tinha sim aprendido outras formas de entender aquilo tudo. E descobriu que o calor da fé nunca faltou, a voz ele tinha na sua inspiração e a cor era abundante.

Seguindo viagem para a terra de onde tinha firmado os seus primeiros passos, preparava-se para um reencontro.

Sua mãe na cozinha, sempre atarefada e falando muito o abraçou de uma forma que só as mães sabem com seus filhos. Aquela mulher que na infância era alta e responsável por ele, hoje havia se tornado uma mulher até franzina nos braços do filho. Mas a grandeza de seu sentimento era de uma dimensão que o homem feito voltava a ser menino nos braços de quem lhe havia ensinado a voz da fé.

E os dois seguiram ao encontro da avó. O mesmo caminho, as ruas pouco haviam mudado em mais de vinte anos.

Chegando em frente ao cemitério, com flores nas mãos, entraram respeitosamente de mãos dadas, fizeram o sinal da cruz. Lá estava ela, a avó querida, sempre com o mesmo sorriso. A imagem imortalizada em uma placa oval de cerâmica sobre a lápide indicava o local onde seu corpo encontrou o descanço eterno.

E o calor do afeto era real! Ela o havia ensinado a acreditar no amor que existe onde não podemos enxergar, que necessita de fé para ser sentido.

Aquele momento era como voltar ao passado.

No retorno de sua viagem, foi ao lugar onde a cor, a voz e o calor de sua fé hoje tem morada. Entrou respeitosamente de branco. E com gratidão ajoelhou-se em frente ao altar, bateu cabeça para Oxalá e pediu proteção.

Ali, o invisível aos olhos ensinava constantemente, inspirava e dava força para seguir uma caminhada que desde o início trazia o amor como fundamento.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

To "Bullying" or Not To "Bullying"




















A palavra da vez é Bullying!!

Os EUA durante décadas venderam em seus filmes essas atitudes como "coisas de meninos". Agora, a Hillary Clinton faz pronunciamento sobre o assunto dizendo: "-Vocês não estão sozinhos!!!".
Artistas fazem uma música para ajudar os alvos da vez.
Quantos precisaram morrer?! Quantos?! Almas que foram deformadas por essas atitudes, e todos viam e sabiam?!
O maior motivo dos Bullyings???!!! Ser gay, ou dizerem que é! E nos EUA isso é um terror, numa sociedade altamente preconceituosa, que se autoriza a humilhar até os seus por suas crenças! Lá você tem uma cartilha do AmWay! Do it! Caso contrário vc vai pro borderline! E viver na periferia de uma sociedade, não por exclusão voluntária, mas pela sua verdade, é cruel.
Eu sei... nós também temos os nossos "fazer de tolo", que acho ser uma expressão que melhor traduz, com palavras claras o tal termo "xeno".

E falando nos outros...

E o bullying internacional que eles alimentam há anos?! Mexicanos, latinos, "las cucarachas", falou árabe é terrorista...
Pois é, tudo lindo! Com música, discursos e agora muitas pessoas realmente serão ajudadas!! Fiquem tranquilos!! Agora vocês serão um lixo tratado com educação!
Nada disso tem algo a ver com respeito às diferenças. Isso é porque está ficando feio na mídia! E eles vivem de imagem, que é assim: uma história que se conta com música e emoções ensaiadas!

domingo, 21 de março de 2010

FELIZ PIZZA NOVA!!!

"Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade."
Carlos Drummond de Andrade

Mais um ano que acabou e começa em pizza!!! Isso poderia ser uma forma de se referir à bagunça e negociatas no mundo da política. Mas você tem a pizza que todos querem: aquela que reúne, confraterniza e proporciona sabores e cores vibrantes aos famintos degustadores de seus caprichos gastronômicos.

Para sua vida eu desejo que todos os dias encontre novos sabores no amor, na fé e na esperança. Mantenha-se fresca e tenra nos seus princípios. Não deixe de colocar uma pitada a mais de pimenta quando é necessário acalorar-se ou seletas de vegetais quando algo mais leve for preciso.

A vida é uma pizza!! Nela encontramos fatias de tamanhos diferentes e sentimentos específicos. Reavalie o tamanho da sua fome para cada sentimento. Para cada emoção que você queira viver nesse novo ciclo, coloque uma fatia do tamanho do seu desejo.

Vai ser estranha!!! Sem padrões de métrica e com muitos pedaços que a dúvida não nos permite prever. Mas será tua! Saborosa, fascinante aos olhos e com carinho de mãe em noites frias.

Beijos Maninha!!!
Feliz Pizza Nova!



sábado, 27 de fevereiro de 2010

GRÃOS DE AREIA









"A dor de partir não é nada em comparação com a alegria do reencontro." Charles Dickens








O mar criava um horizonte com ondulações alternadas que confundiam o azul com o branco. Com os pés descalços sentia o frio da areia naquela manhã de verão. Começou a desenhar, de forma aleatória, curvas, rostos indígenas e mandalas como contando um pouco da história que a levara até aquele limite de terras seguras e mares bravios.


No azul, o tempo seguia em marés; no seu íntimo, no ritmo de seus dois corações. Um batia o presente e fazia percorrer nas suas veias o oxigênio que mantinha o futuro próximo. O outro era o passado, um coração elegido pelos sentimentos que entendia o futuro como o passado que ainda não foi vivido, e por necessidade, optava por outro nome.


Àquelas horas da manhã o sol trazia, além do calor, a idéia de um longo dia dedicado à beira do mar. As promessas que interpretamos nos sinais sutis da natureza brincam com a nossa capacidade limitada de prever fenômenos complexos.

Saindo de seu estado contemplativo, colocou-se ereta em frente ao mar e o encarou com a propriedade de quem respeita sua imensidão. A sua sombra surgia sobre a areia. Uma mancha tentando adaptar-se aos relevos aleatórios dos grânulos resultantes do constante choque do mar contra as encostas.


Trajando um vestido de um linho fino e branco, levemente acinturado e com um delicado bordado de flores junto à barra, encaminhou-se para o calçadão que dividia uma avenida de edifícios altos com a areia da orla do mar. Uma das mãos segurava um par de chinelos e a alça da bolsa de praia, a outra ajustava seus óculos de sol ao rosto.


Era uma mulher decidida! Seus passos não transferiam ao solo o desejo de pisadas firmes; comprimiam os grão de areia na calçada com a delicadeza de quem há muito já tinha segurança em seu íntimo. Ela estava de peitos abertos ao desconhecido, isso a fascinava.


Ao mesmo tempo que aproximava-se de sua residência, seu passado aproximava-se dela no caminhar tranquilo de uma amiga. O reconhecimento foi imediato, e a sensação de intimidade e carinho deu-se nas infindáveis perguntas sobre tudo que podia ser possível se perguntar.


Porém uma pergunta não havia sido feita, não por orgulho ou timidez, mas por saber que em breve ela mesma teria a resposta.

E qual era essa pergunta? Bem, não seria adequado falar de algo não pronunciado, mantido incólume durante tanto tempo. Algo que marcou o início do desejo, do carinho e do amor. Infantil no passado, mas como seria no futuro?


Ao ver sua amiga, seu coração bateu mais forte, e o sangue trouxe energia e vigor aos abraços e francos sorrisos. Ao saber que estava próxima de um retorno, as lembranças do passado fizeram seu outro coração vibrar!


Ele tinha sido o primeiro beijo, a primeira façanha do amor em sua vida. Naquele tempo, os prédios não haviam ainda redesenhado a extensão total daquela avenida, o sol e as cores eram diferentes.


Após despedir-se de sua amiga, retornou seu caminho para casa. No hall dos elevadores, lembrou das inúmeras vezes que ficara à espera daquelas mesmas portas abrirem trazendo seu amor juvenil. O coração batia acelerado, a porta abriu e estava vazio. Não poderia sonhar em ter tudo novamente como era antes.


Foi bom, e nada que foi bom jamais fica perdido. Faz parte de nossa vida, torna-se parte de nosso caráter.”

Rosamund Pilcher (Os Catadores de Conchas)


Passou a tarde um pouco chateada com a chuva que havia surgido de forma inesperada. O amanhecer foi tão ensolarado, tão festivo e inusitado! Aproveitou a falta de sol para colocar o email em dia e atualizar a lista de amigos virtuais.


Foi assim que mais um reencontro aconteceu, ao adicionar sua amiga naquele pequeno universo virtual, encontrou-se também com o menino que ela esperava no elevador. Tinha sido, além de todos os sentimentos inerentes ao primeiro beijo, o tabu. Era irmão de sua amiga. E na infância isso tem outro peso, que nos faz rir quando adultos, mas adona-se de superior seriedade nos dias mágicos de brincadeiras de rua.


Ele não era mais um menino. Era um homem belíssimo, mas que conservava os mesmos lábios desenhados que ainda criavam espectativas em seu íntimo. Lembrava do sabor do sal do mar ao olhar aquela boca.


Ficou curiosa! Como seria o reencontro?! Será que teria uma resposta positiva à sua mensagem?


Em poucas horas teve sua resposta! A tecnologia nos permite ter a ansiedade minimizada quando ela é assertiva e ágil. Este foi o caso, ela leu a resposta e sorriu.


Muitas horas de conversas no computador, e recordações faziam o tempo que dividiu suas vidas parecer menor.

O plano era o reencontro! Ambos queriam isso. A distância era o maior complicador, mas nem isso havia impedido que eles se reencontrassem.


No final da tarde o sol voltou a aparecer no horizonte, a chuva tinha sido providencial! Sem ela o dia teria sido ao sol, mas a noite solitária.


Retornou à praia, e sentando-se na areia olhou para o mar não lhe parecendo mais tão bravio. Ainda curiosa com aquele movimento inesperado da vida enterrou suas mãos na areia da praia. Assim fazia com seu primeiro amor, tentando esconder dos outros o contato de carinho e cumplicidade de suas mãos dadas. Sorriu, sentiu-se tola, e novamente levantou-se encarando o mar. À sua frente a sombra de seu corpo tentava adaptar-se ao solo irregular.


No final daquele dia chuvoso o sol tinha aparecido para manter belo o espetáculo do crepúsculo. Naquela noite a solidão era somente física, mas sentia-se acompanhada de seus sentimentos, de possibilidades e das surpresas dos reencontros.

domingo, 22 de novembro de 2009

ECO!



“Donde pode nascer o amor? Talvez de uma súbita falha do universo, talvez de um erro, nunca de um acto de vontade.” – Marguerite Duras




Os dias seguiam de forma ordinária, e o novo apartamento com suas paredes brancas e esquadrias despidas tornavam a vida angustiante. O eco de qualquer barulho refletia a solidão que tinha lugar cativo em seu peito.

Consumia palavras para afastar-se do mundo real. Pelo menos esta era a intenção, mas os livros não o autorizavam esse desligamento. A literatura reorganiza a vida em palavras, de tal maneira que a torna interessante, mesmo que retrate o pavor que nos livros buscamos distância. Um teatro grego, a posição passiva de observador e a absolvição.

“Minha mãe diz às vezes que, jamais, em toda a minha vida, verei rios tão belos como aqueles, tão grandes, tão selvagens, o Mekong e seus afluentes que descem até o oceano, esses territórios líquidos que desaparecem nas cavernas dos oceanos. Na planície que desaparece a perder de vista, esses rios correm, derramam-se como se a terra estivesse inclinada.” *

Fecha-se o livro de forma quase bruta, e com determinação é colocado ao lado de uma pilha do outros já lidos e amalgamados na sua essência . Ele sentia-se como Mekong, que conduzia suas águas até desaparecerem no incógnito. No seu caso mais um afeto escorria por lugares já não mais pertencentes a ele. E assim, voltava à sua posição inicial, sem conforto, sem novidades. O caminho pela frente já era conhecido e a planície novamente afrontava seu íntimo com o doloroso vazio.

Tinha o hábito de perfurar seu corpo para marcar mais um passageiro de seu coração, como antigamente faziam os cobradores, perfurando as passagens nos trens. Uma passagem perfurada dá direito de chegada ao ponto final, para a volta um novo bilhete é exigido. E retornar para onde? O regresso é concernente ao fracasso, na maioria das vezes. Mas a origem é lugar conhecido, confortável e permite estabilidade em dias de ventania.

Nas suas voltas pelo mundo, percebeu que sua morada se construiria onde ele pudesse tentar um recomeço. Todos sempre recheados de momentos hilários, mas muitas vezes temperados com gotas precisas de vinagres de péssima qualidade. E nessa gastronomia de sentimentos tinha feito sua última investida.

Nas terras gélidas foi aferida a temperatura de seus sentimentos, e entristeceu-se com o fato deles não serem tão quentes quanto imaginava. Eles não derretiam o gelo. O frio se aglutinava como cristais dentro de suas artérias, impedindo que o calor promovido pela paixão realmente aquecesse todos seus órgãos. Fatalmente, o sangue retornando ao coração já estava frio, e assim o mesmo ponto de partida que o tinha aquecido identificava o retorno gélido. Era incontestável a angústia de ferro na garganta.

“Quando estava próxima a hora da partida, o navio dava três apitos muito longos, tremendamente fortes, ouvidos em toda a cidade e no lado do porto o céu ficava negro.”*

Novamente o livro retorna ao lado dos outro já lidos. Precisava se recompor! A torneira fornecia de forma abundante a água para refrescar seu rosto. Esse barulho o fazia lembrar de Mekong. Desejava que aquela água que passava por seu rosto pudesse levar a angústia para lugares inacessíveis, sem retorno.

Num olhar mais atento, o espelho refletia a perda de um passado. Seu ultimo amor tinha sumido, somente um buraco no lóbulo de sua orelha, vazio e sem utilidade, permanecia. O elo de metal que o mantinha possuidor de sua última tentativa no amor não estava lá. E assim a história ficava sem continuação. Estranhamente sentiu como se tivesse perdido algo que o fazia certo que vivera algo eterno. Esta heresia não poderia ter acontecido por acaso. Ele precisava aprender a não mais manter vivo em seu corpo um histórico de navios que partiram, de névoas que tornaram os claros céus da Indonchina negros.

* O Amante - Marguerite Duras