sábado, 6 de novembro de 2010

O Calor da Fé

Quando a sua timidez o fazia encolher-se na carteira, mal ele sabia que seria pouco o tempo de se manter escondido do mundo. Era esperto, caprichoso. Seus desenhos acariciavam a idéia de um mundo colorido. Primeiramente uma cor homogênea, com a ponta arredondada do lápis de cor, cobrindo todo o espaço dentro dos limites. Seguia com uma cor de matiz mais intenso, coordenante ao tom do fundo. Esta criava a sensação dos vincos e ondulações das vestes de Jesus no livro da aula de religião.

Era mágico como as cores faziam a fé ser algo mais tátil. Num mundo em que o julgamento era algo presente a todos os movimentos, a fé necessitava de cor, de voz e calor.

A parte colorida da fé ele resolvia bem. A voz ficava por conta de sua mãe, que mesmo não sendo fervorosa, criava uma aura respeitosa sobre Jesus, Deus e a vida.

Todos os dias após a aula, ele e sua mãe seguiam com passos já muito conhecidos o caminho de casa. Como sempre, as flores não faltavam. Estas eram levadas ao lugar onde o calor da fé existia para ele.

Não muito longe do colégio, seguia ele respeitosamente de mãos dadas com sua mãe, e fazia o sinal da cruz logo na entrada. Ao seu redor era sempre aquele mesmo cenário, às vezes com mais pessoas, outras sem viva alma. Era um lugar silencioso e que muitos tinham medo. Ele não entendia o medo pertencer ao lugar do aconchego da sua fé.

E lá estava ela, sua avó! Querida avó, doce e amável. Sempre com um soriso ao vê-los chegar. Ele sabia que sempre a encontrava lá. Sua mãe sempre soria e respeitosamente entregava as flores. Era um momento que sentia a fé entrar em seu coração, e fazia entender que a vida não tinha sentido sem ela.

Já em casa, sempre perguntava como era a avó quando sua mãe era pequena, se ela era brava... Com ele, sempre ela soria, mas sabia que as avós eram mães com mais açúcar que o normal. Sua mãe sempre com boas recordações e sempre com saudades daquele tempo em que era pequena e o mundo era só um lugar grande, deixava claro que a vida era um mistério.

O menino cresceu, as visitas à sua avó ficaram mais exporádicas uma vez que havia mudado de escola e não passava mais pela frente do lugar que sempre a encontrava. Às vezes ela vinha à sua casa, rapidamente, dava um beijo e já tinha que ir. Ele entendia que era assim, muitas vezes só sentia ela por perto, principalmente quando dormia.

Mas eventualmente, sua mãe e ele colocavam-se na rua para visitar a avó. E assim a fé mantinha o calor. Os desenhos já não mais faziam parte dos seus deveres de religião e a cor estava esmaescendo, a voz da fé mantinha-se no timbre das palavras de sua mãe. O tempo iria encarregar-se de trazer a cor novamente, diferente das dos desenhos, mas vibrantes e vivas!

E o menino crescido tornou-se um homem adulto. E nessa mudança, distanciou-se da voz e do calor da fé. Era outra cidade, outro jeito de viver. No começo tudo novo, muitas mudanças em quatorze anos que se seguiram. Até o momento em que a vida lhe questionava novamente a sua fé. Ele não havia desacreditado do divino, das coisas de Deus. Ele tinha sim aprendido outras formas de entender aquilo tudo. E descobriu que o calor da fé nunca faltou, a voz ele tinha na sua inspiração e a cor era abundante.

Seguindo viagem para a terra de onde tinha firmado os seus primeiros passos, preparava-se para um reencontro.

Sua mãe na cozinha, sempre atarefada e falando muito o abraçou de uma forma que só as mães sabem com seus filhos. Aquela mulher que na infância era alta e responsável por ele, hoje havia se tornado uma mulher até franzina nos braços do filho. Mas a grandeza de seu sentimento era de uma dimensão que o homem feito voltava a ser menino nos braços de quem lhe havia ensinado a voz da fé.

E os dois seguiram ao encontro da avó. O mesmo caminho, as ruas pouco haviam mudado em mais de vinte anos.

Chegando em frente ao cemitério, com flores nas mãos, entraram respeitosamente de mãos dadas, fizeram o sinal da cruz. Lá estava ela, a avó querida, sempre com o mesmo sorriso. A imagem imortalizada em uma placa oval de cerâmica sobre a lápide indicava o local onde seu corpo encontrou o descanço eterno.

E o calor do afeto era real! Ela o havia ensinado a acreditar no amor que existe onde não podemos enxergar, que necessita de fé para ser sentido.

Aquele momento era como voltar ao passado.

No retorno de sua viagem, foi ao lugar onde a cor, a voz e o calor de sua fé hoje tem morada. Entrou respeitosamente de branco. E com gratidão ajoelhou-se em frente ao altar, bateu cabeça para Oxalá e pediu proteção.

Ali, o invisível aos olhos ensinava constantemente, inspirava e dava força para seguir uma caminhada que desde o início trazia o amor como fundamento.