sábado, 27 de fevereiro de 2010

GRÃOS DE AREIA









"A dor de partir não é nada em comparação com a alegria do reencontro." Charles Dickens








O mar criava um horizonte com ondulações alternadas que confundiam o azul com o branco. Com os pés descalços sentia o frio da areia naquela manhã de verão. Começou a desenhar, de forma aleatória, curvas, rostos indígenas e mandalas como contando um pouco da história que a levara até aquele limite de terras seguras e mares bravios.


No azul, o tempo seguia em marés; no seu íntimo, no ritmo de seus dois corações. Um batia o presente e fazia percorrer nas suas veias o oxigênio que mantinha o futuro próximo. O outro era o passado, um coração elegido pelos sentimentos que entendia o futuro como o passado que ainda não foi vivido, e por necessidade, optava por outro nome.


Àquelas horas da manhã o sol trazia, além do calor, a idéia de um longo dia dedicado à beira do mar. As promessas que interpretamos nos sinais sutis da natureza brincam com a nossa capacidade limitada de prever fenômenos complexos.

Saindo de seu estado contemplativo, colocou-se ereta em frente ao mar e o encarou com a propriedade de quem respeita sua imensidão. A sua sombra surgia sobre a areia. Uma mancha tentando adaptar-se aos relevos aleatórios dos grânulos resultantes do constante choque do mar contra as encostas.


Trajando um vestido de um linho fino e branco, levemente acinturado e com um delicado bordado de flores junto à barra, encaminhou-se para o calçadão que dividia uma avenida de edifícios altos com a areia da orla do mar. Uma das mãos segurava um par de chinelos e a alça da bolsa de praia, a outra ajustava seus óculos de sol ao rosto.


Era uma mulher decidida! Seus passos não transferiam ao solo o desejo de pisadas firmes; comprimiam os grão de areia na calçada com a delicadeza de quem há muito já tinha segurança em seu íntimo. Ela estava de peitos abertos ao desconhecido, isso a fascinava.


Ao mesmo tempo que aproximava-se de sua residência, seu passado aproximava-se dela no caminhar tranquilo de uma amiga. O reconhecimento foi imediato, e a sensação de intimidade e carinho deu-se nas infindáveis perguntas sobre tudo que podia ser possível se perguntar.


Porém uma pergunta não havia sido feita, não por orgulho ou timidez, mas por saber que em breve ela mesma teria a resposta.

E qual era essa pergunta? Bem, não seria adequado falar de algo não pronunciado, mantido incólume durante tanto tempo. Algo que marcou o início do desejo, do carinho e do amor. Infantil no passado, mas como seria no futuro?


Ao ver sua amiga, seu coração bateu mais forte, e o sangue trouxe energia e vigor aos abraços e francos sorrisos. Ao saber que estava próxima de um retorno, as lembranças do passado fizeram seu outro coração vibrar!


Ele tinha sido o primeiro beijo, a primeira façanha do amor em sua vida. Naquele tempo, os prédios não haviam ainda redesenhado a extensão total daquela avenida, o sol e as cores eram diferentes.


Após despedir-se de sua amiga, retornou seu caminho para casa. No hall dos elevadores, lembrou das inúmeras vezes que ficara à espera daquelas mesmas portas abrirem trazendo seu amor juvenil. O coração batia acelerado, a porta abriu e estava vazio. Não poderia sonhar em ter tudo novamente como era antes.


Foi bom, e nada que foi bom jamais fica perdido. Faz parte de nossa vida, torna-se parte de nosso caráter.”

Rosamund Pilcher (Os Catadores de Conchas)


Passou a tarde um pouco chateada com a chuva que havia surgido de forma inesperada. O amanhecer foi tão ensolarado, tão festivo e inusitado! Aproveitou a falta de sol para colocar o email em dia e atualizar a lista de amigos virtuais.


Foi assim que mais um reencontro aconteceu, ao adicionar sua amiga naquele pequeno universo virtual, encontrou-se também com o menino que ela esperava no elevador. Tinha sido, além de todos os sentimentos inerentes ao primeiro beijo, o tabu. Era irmão de sua amiga. E na infância isso tem outro peso, que nos faz rir quando adultos, mas adona-se de superior seriedade nos dias mágicos de brincadeiras de rua.


Ele não era mais um menino. Era um homem belíssimo, mas que conservava os mesmos lábios desenhados que ainda criavam espectativas em seu íntimo. Lembrava do sabor do sal do mar ao olhar aquela boca.


Ficou curiosa! Como seria o reencontro?! Será que teria uma resposta positiva à sua mensagem?


Em poucas horas teve sua resposta! A tecnologia nos permite ter a ansiedade minimizada quando ela é assertiva e ágil. Este foi o caso, ela leu a resposta e sorriu.


Muitas horas de conversas no computador, e recordações faziam o tempo que dividiu suas vidas parecer menor.

O plano era o reencontro! Ambos queriam isso. A distância era o maior complicador, mas nem isso havia impedido que eles se reencontrassem.


No final da tarde o sol voltou a aparecer no horizonte, a chuva tinha sido providencial! Sem ela o dia teria sido ao sol, mas a noite solitária.


Retornou à praia, e sentando-se na areia olhou para o mar não lhe parecendo mais tão bravio. Ainda curiosa com aquele movimento inesperado da vida enterrou suas mãos na areia da praia. Assim fazia com seu primeiro amor, tentando esconder dos outros o contato de carinho e cumplicidade de suas mãos dadas. Sorriu, sentiu-se tola, e novamente levantou-se encarando o mar. À sua frente a sombra de seu corpo tentava adaptar-se ao solo irregular.


No final daquele dia chuvoso o sol tinha aparecido para manter belo o espetáculo do crepúsculo. Naquela noite a solidão era somente física, mas sentia-se acompanhada de seus sentimentos, de possibilidades e das surpresas dos reencontros.