quinta-feira, 10 de março de 2011

HORTELÃ

"Nós, para os outros, apenas criamos pontos de partida." Simone de Beauvoir







Havia frescor naquelas palavras! Aquela sensação de folha de hortelã na boca. O café foi servido em xícaras brancas, com alças arredondadas e um pires de formato oval. Primeiramente o café au lait, cremoso e com um tom perfeito para Luigi. Ele não gostava de café, mas aceitou com leite pela circunstância. Mesmo o café não sendo perfeito ao seu paladar, ele perfeitamente acomodou-se na cadeira estofada. Sentia-se envolvido por um tipo de calor que nem no verão traz incômodos.


A segunda xícara, com seu negro conteúdo, fazia apologia aos sabores encorpados. Sem açúcar, quente e revigorante. Cosmo tinha a curiosidade de saber se, ao terminar aquele café, a borra lhe traria alguma imagem que o remetesse ao futuro.


Risadas, constantes e intercaladas com goles prazerosos para Cosmo e resignados para Luigi. De forma alguma a resignação ao sabor do café era um problema. Era uma condição, tão simples e assimilada que em nada interferia naquele momento de pensamentos rápidos.


Não era simplesmente um encontro. Existiam dois universos de experiências de desapegos, vaidades feridas e receios do intangível. E mesmo nesse panorama quase trágico as risadas ecoavam com facilidade e temperatura.


Olhando os cabelos de Luigi, Cosmo percebera que realmente cabelos com um comprimento maior pertenciam com veracidade a poucos. Ele já os teve, e não a muito tempo ainda os trazia impecáveis. Mas para Cosmo isso fora um tempo que precisava de algo que o preocupasse diariamente. Assim ele não tinha tempo para entender suas outras tarefas íntimas como um sacrifício. A vida ficava mais leve sob os cabelos longos. Precisavam ser lavados, hidratados, secados e escovados. Depois de todos esses passos, ficavam naturais e despretenciosos como os de Luigi. Para Luigi estar com seus cabelos perfeitamente ordenados, só fora necessário lavá-los com um shampoo qualquer e o vento se encarregara do resto.


Cosmo tinha uma necessidade de se comunicar. E isso não era feito de forma cansativa, na maioria das vezes. Ele discorria com seriedade sobre assuntos, fazia perguntas diretas e com naturalidade conseguia descobrir tudo que queria sobre alguém. Com Luigi não seria diferente. O método seria o mesmo, mas dessa vez o objetivo seria outro. Esse teatro das palavras que Cosmo normalmente envolvia suas vítimas era como a preparação de um prato. E disso Cosmo entendia! A vida era como uma receita para ele. Vendo os ingredientes que se tem à disposição, fazia-se o possível. E com isso Cosmo extraía de seus relacionamentos os elementos necessários para entender no seu íntimo qual o paladar que ele deveria aguçar, quais os temperos a utilizar e como harmonizaria isso tudo. Desta vez ele não estava pensando em receita nenhuma, tentava não deixar de ser quem era, mas queria utilizar seus talentos para entender que a vida já podia oferecer-lhe um plat du jour. Se fosse saboroso e o fizesse feliz, poderia ser servido todos os dias, sem necessidade de sair à procura de outros menus, ou introduzir temperos externos e horas de dedicação para uma refeição.


Os cafés já haviam terminado. Cosmo deixara um pouco no fundo da xícara, como de costume, mesmo curioso por saber sobre as previsões da borra, não mudaria seus hábitos por isso. Luigi deixara uma quantia maior na xícara, mas havia adorado a cheesecake indicada por Cosmo. Os tons de vermelho do coulis de fruit rouge da cobertura faziam os olhos felizes só de olhar. O sabor era mágico, a textura do chantilly impecável.


Fazia uma hora e meia que estavam falando, rindo e oferecendo os seus melhores “eus”. De forma espontânea olharam-se em sincronia e, com um olhar de “agora”, levantaram-se. Cosmo fez questão de pagar a conta, não por reservas de poder, como normalmente isso soa, mas por uma gentileza. Uma vez que Luigi havia dirigido de outra cidade até a capital para se encontrarem, seria o mais correto.


Um senhor que estava sentado no fundo do café, observara todo aquele encontro. Ele não o fizera para invadir a privacidade deles. Tanto não fora invasivo, que nem sua presença fora notada. Ele tirou os óculos e repousou-os sobre o jornal. Uma xícara de chá dividia a mesa com o noticioso e um prato de biscoitos amanteigados. Com um movimento típico das pessoas que lêem muito, coçou os olhos lentamente. Ao buscar o casal que prendera sua atenção durante tanto tempo, percebera que eles já haviam desaparecido na praça que encontrava-se à frente do café. O aroma de hortelã do chá veio aos seus sentidos e buscou, assim, a xícara, sorvendo um gole com satisfação.