domingo, 22 de novembro de 2009

ECO!



“Donde pode nascer o amor? Talvez de uma súbita falha do universo, talvez de um erro, nunca de um acto de vontade.” – Marguerite Duras




Os dias seguiam de forma ordinária, e o novo apartamento com suas paredes brancas e esquadrias despidas tornavam a vida angustiante. O eco de qualquer barulho refletia a solidão que tinha lugar cativo em seu peito.

Consumia palavras para afastar-se do mundo real. Pelo menos esta era a intenção, mas os livros não o autorizavam esse desligamento. A literatura reorganiza a vida em palavras, de tal maneira que a torna interessante, mesmo que retrate o pavor que nos livros buscamos distância. Um teatro grego, a posição passiva de observador e a absolvição.

“Minha mãe diz às vezes que, jamais, em toda a minha vida, verei rios tão belos como aqueles, tão grandes, tão selvagens, o Mekong e seus afluentes que descem até o oceano, esses territórios líquidos que desaparecem nas cavernas dos oceanos. Na planície que desaparece a perder de vista, esses rios correm, derramam-se como se a terra estivesse inclinada.” *

Fecha-se o livro de forma quase bruta, e com determinação é colocado ao lado de uma pilha do outros já lidos e amalgamados na sua essência . Ele sentia-se como Mekong, que conduzia suas águas até desaparecerem no incógnito. No seu caso mais um afeto escorria por lugares já não mais pertencentes a ele. E assim, voltava à sua posição inicial, sem conforto, sem novidades. O caminho pela frente já era conhecido e a planície novamente afrontava seu íntimo com o doloroso vazio.

Tinha o hábito de perfurar seu corpo para marcar mais um passageiro de seu coração, como antigamente faziam os cobradores, perfurando as passagens nos trens. Uma passagem perfurada dá direito de chegada ao ponto final, para a volta um novo bilhete é exigido. E retornar para onde? O regresso é concernente ao fracasso, na maioria das vezes. Mas a origem é lugar conhecido, confortável e permite estabilidade em dias de ventania.

Nas suas voltas pelo mundo, percebeu que sua morada se construiria onde ele pudesse tentar um recomeço. Todos sempre recheados de momentos hilários, mas muitas vezes temperados com gotas precisas de vinagres de péssima qualidade. E nessa gastronomia de sentimentos tinha feito sua última investida.

Nas terras gélidas foi aferida a temperatura de seus sentimentos, e entristeceu-se com o fato deles não serem tão quentes quanto imaginava. Eles não derretiam o gelo. O frio se aglutinava como cristais dentro de suas artérias, impedindo que o calor promovido pela paixão realmente aquecesse todos seus órgãos. Fatalmente, o sangue retornando ao coração já estava frio, e assim o mesmo ponto de partida que o tinha aquecido identificava o retorno gélido. Era incontestável a angústia de ferro na garganta.

“Quando estava próxima a hora da partida, o navio dava três apitos muito longos, tremendamente fortes, ouvidos em toda a cidade e no lado do porto o céu ficava negro.”*

Novamente o livro retorna ao lado dos outro já lidos. Precisava se recompor! A torneira fornecia de forma abundante a água para refrescar seu rosto. Esse barulho o fazia lembrar de Mekong. Desejava que aquela água que passava por seu rosto pudesse levar a angústia para lugares inacessíveis, sem retorno.

Num olhar mais atento, o espelho refletia a perda de um passado. Seu ultimo amor tinha sumido, somente um buraco no lóbulo de sua orelha, vazio e sem utilidade, permanecia. O elo de metal que o mantinha possuidor de sua última tentativa no amor não estava lá. E assim a história ficava sem continuação. Estranhamente sentiu como se tivesse perdido algo que o fazia certo que vivera algo eterno. Esta heresia não poderia ter acontecido por acaso. Ele precisava aprender a não mais manter vivo em seu corpo um histórico de navios que partiram, de névoas que tornaram os claros céus da Indonchina negros.

* O Amante - Marguerite Duras

2 comentários:

Unknown disse...

UUUUhhhuuuuuuullllll
Parecia estar vendo nosso amigo na poesia...
Parabéns, amore! Como sempre, primor de texto!!!
Beijos da Leshuga

Unknown disse...

Se disser que botei "O Amante" na pilha diversas vezes, com o rio abaixo...

Gostei, gostei muito. Parabém!