O Tempo do Tempo
Aprender a aceitar o tempo das coisas não é uma escolha — é uma lição. Uma alternativa que a vida impõe quando seguir em frente se torna a única direção possível.
A coragem de acolher o que nos envolve — tanto o que transborda alegria quanto o que aperta o peito — nasce da resiliência. Essa qualidade, que se aprende com esforço e tempo, é o que nos permite manter o rumo quando o caminho se desfaz diante dos nossos pés. Ela sustenta o passo firme mesmo em meio à dor e à resignação.
Naquela manhã, o sol tentava atravessar a cortina, que o suavizava com gentileza. O tecido filtrava o mundo lá fora, permitindo apenas fragmentos de luz — contornos de prédios, tons difusos no horizonte. Era como se o dia pedisse permissão para entrar, oferecendo abrigo, luminosidade contida, um pouco de beleza sem estrondo.
Sobre a mesa, a xícara de porcelana branca contrastava com o escuro profundo do café. O aroma, quente e denso, trazia consigo um instante de paz. Havia silêncio — não um silêncio vazio, mas aquele que parece respeitar um pacto secreto com a vida: antes do café, só o que é delicado tem lugar.
Então, o telefone vibrou. O som grave do aparelho contra a madeira rompeu o acordo. No visor, uma palavra curta, definitiva: “Pai”. Era cedo demais para uma ligação. A cortina foi arrancada com brutalidade, e a realidade entrou inteira, sem pedir licença.
Veio a queda. O corpo recuou, o fôlego se suspendeu num gesto inútil de impedir o instante. Mas ele já havia acontecido. Em poucas palavras, o mundo mudou de forma. Ainda havia vida. Ainda havia esperança. Mas agora, tudo era coberto por uma sombra espessa de dúvida, medo e dor. Cada espaço interno se encheu de luto. Os sonhos, outrora tão vivos, se dissolveram sem aviso.
A ligação terminou. Com ela, também se encerravam futuros imaginados, caminhos que poderiam ter sido simples, mas que agora estavam interditados por algo novo, estranho e difícil. O tempo, antes discreto, se impôs como uma força bruta — esmagadora, lenta, implacável. Cada segundo passou a durar como uma eternidade.
A realidade havia caído sobre o corpo, esmagando possibilidades, planos, vontades.
E então, não restava mais o que fazer. Não havia tarefa, decisão, resposta. Restava apenas esperar. Esperar o tempo do tempo.
O tempo deixava de ser uma linha marcada no relógio. Tornava-se um sentido. Um estado. Uma forma de existência que entrelaça passado, presente e futuro, mas que nunca se revela de antemão — e que jamais se encaixa no olhar humano sem causar estranhamento.
Quando tudo parece já ter sido revelado, e ainda assim tudo permanece por acontecer, resignar-se ao tempo do tempo é a única alternativa possível. Porque a realidade, quando se impõe sem filtros, não é cruel por natureza — é apenas absoluta.
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