quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

JASMIM















No toca-discos a música “Words don’t come easy” estava na ponta da agulha, e a sala estava iluminada pelo sol da manhã que passava por uma janela do tipo guilhotina, com o vidro dividido em retângulos e as venezianas totalmente abertas e presas pelo ferrolho na parede externa. 

A cortina branca, com detalhes em onda marrom e bege, parecia uma renda. Dava um aconchego e acabamento muito agradável para a sala, que tinha um sofá longo e uma poltrona de vinil laranja.

Sobre o piso de madeira, encerado e lustro, ele dançava a música. Tentava cantar algo parecido com o que a melodia lhe parecia ser. Estava feliz e achava muito agradável o início da música. Aqueles sons, quando fechava os olhos, transportavam ele para um universo imaginário, que ele podia ser quem ele quisesse.

As caixas de som em madeira, assim como o toca discos e a televisão ficavam em um móvel com linhas modernas, design dos anos 70. Fazia a divisão entre a sala de televisão e a sala de jantar.

Era, nesta sala, sob a mesa com pés de ferro e tampo em fórmica jacarandá, que a brincadeira preferida acontecia. Com um cobertor sobre a mesa, caindo para os lados, ele a irmã mais velha brincavam de barraca. Não que a casa não tivesse terreno suficiente para brincar numa de verdade, que inclusive era feita com uma lona entre dois troncos de árvores próximo da garagem, mas, sob a mesa, à noite, e com uma lanterna, histórias surgiam sem a preocupação de ter que entrar, fosse por causa do frio, sereno ou horário.

Nesses dias ensolarados de final de ano, o jasmim começava a liberar o perfume característico para o natal naquele lar. Era a flor preferida do avô materno. Quando esse perfume surgia, logo o natal também chegava. 

Essa época era mágica, quando as aulas já se findavam, e a caixa com os enfeites de natal, ritualisticamente, era retirada do armário e aberta. Os enfeites eram de vidro, não tinham ainda esses de plástico. Eram tratados com muito cuidado, uma vez que eram caros e alguns herdados da avó materna que, há muito tempo, estava cuidando de todos lá de cima.

O pisca-pisca era o ponto máximo de todo o evento de enfeites e paramentações para o natal. Era disposto ao longo dos suportes dos vasos de samambaia que ficavam na varanda de frente para a rua. Cosmo não via a hora da noite cair, pois queria ver as luzes piscando e sentir o aroma do jasmim. E como tudo que é esperado por uma criança, dentro do seu sentimento a noite tardava mais que o normal para chegar.

Na porta de entrada era colocado um enfeite com um sino, feito pro sua mãe. Não era um sino comprado, mas feito de artesanato por ela mesma, usando um copo plástico pintado de um verde sálvia e uma pequena bola de vidro na cor de um rubi. Ao longo da boca do sino fora colado algodão. O arranjo com o sino ainda contava com uma corda de fitas metálicas vermelha e prata. Era simples, lindo e ele sentia que a porta da sua casa era a mais bela da rua, assim como o jardim que sempre era florido. 

Naquele ano, a surpresa do natal seria algo que acompanhariam sua irmã e ele por muito tempo. Naquele natal, uma piscina plástica de montar foi o presente que os irmão dividiram. Sim, um presente para os dois. Mas em nenhum momento ficaram tristes! Estavam entusiasmados com a possibilidade de passar horas na água durante as tardes de verão.

Como não seria diferente, a sua prima, filha da irmã de sua mãe, se juntava para os banhos de piscina e era uma alegria só. A sensação de sair da água, morrendo de fome, e encontrar um bolo de chocolate, a tradicional nega-maluca, faziam as tardes serem perfeitas. Como poderia a vida ser melhor?

Naquela época, a vida era simples, porém riquíssima. As palavras surgiam de forma leve e fácil, pois eram tão espontâneas que nunca teriam a pretensão de dizer algo que não fosse o mais puro sentimento. 

Passado mais de 30 anos, o jasmim ainda floresce, porém, a música “Words don’t come easy” tem outros significados. Quando ouvida de olhos fechados, a sala iluminada pelo sol da manhã surge nos pensamentos e quase é tangível. Porém, de olhos abertos, ela traz o significado literal. As palavras não vem de forma fácil, porém as lembranças sim, com bolo de chocolate e perfume do jasmim.

Um comentário:

Maiara disse...

Que linda lembrança! Acabei viajando junto, não só para a véspera de Natal da história, mas para as minhas memórias de infância e aquela época, que será sempre única e lembrada com muito carinho.