domingo, 12 de julho de 2009

PAREDES VAZIAS

"Nenhum homem é hipócrita nos seus prazeres."
Albert Camus

O nó da gravata era o incômodo limite para um ser devasso. Em trajes alinhados, postura comedida e atitude blasé mantinha sua virilidade sempre audaciosa e perseverante. Procurava na multidão novas texturas de pele e relevos de dorsos necessitados de invasão.

Mas a vida sempre nos aproxima dos nossos desejos, pois são eles a parte mais mentirosa e viva de nossa conduta. Não seria diferente com o voluptuoso cavalheiro alinhado.

Naquele dia, arrastava-se por horas a monótona rotina dos papéis que gritam tipos apáticos, nulos de sexualidade mas portadores de poderes de lei. Na tela do computador caracteres tornavam-se palavras e frases. Invasivamente surgiu o aviso de mais um contato disponível para interagir.

Rapaz franzino e filho-da-puta (literalmente), tinha uma vida noturna e desordenada. Semblante escurecido pela inocência quase nunca protegida, e precocemente perdida. Acordou no meio da tarde da labuta de uma casa noturna. Não era puto, pois não teve a sorte de valer dinheiros com o sexo. Cobrava os outros de seus consumos e excessos. Nessas noites de hálitos alcoolizados, fatalmente parecia ter ingerido algumas doses. Queria abrir os olhos e ter algo diferente à sua espera. Levantou-se do colchão, atirado com displicência no chão do aposento, e foi ao banheiro reavivar as carnes. Ele queria prazer, e de forma servil, estava intimamente preparado para ser possuído.

As paredes com ladrilhos brancos e úmidos, piso de lajotas vermelhas e o teto de madeira decadente testemunhavam seu corpo digno de possessão. No espelho, observou seu olhar melancólico. Apoiou-se no lavatório e respirou com determinação.

Enrolado na toalha puída por inúmeras lavagens, sentou no mesmo colchão e conectou-se à sua vida virtual. Alguém o chamou para uma conversa, e ofereceu-se para complementar o frescor daquelas carnes que deixaram escoar pelo ralo o cansaço de uma vida de aposentos vazios e paredes despidas.

Levantando de sua mesa, organizando alguns papéis e desligando seu computador, avisou com tom levemente autoritário que não retornaria. Estava ofegante, precisava aliviar-se do desejo avolumado em suas calças. Isso seria constrangedor se estivesse despido de seu paletó. Mais uma vez era salvo pela formalidade. Nessas horas até os trajes são estranhamente condecendentes com a manutenção da boa imagem. A moral estipula os comportamentos esperados e ditos corretos. As convenções ajudam o santo e o profano coexistirem.

Passos firmes e olhar brilhante dirigiram-no até a porta de seu escritório. Girou a maçaneta, dirigiu-se ao elevador. Logo estaria lá!

Aquele prédio decadente de dois pavimentos, com uma lavanderia de serviços de qualidade duvidosa no embasamento era o destino daqueles sapatos lustros. Faziam um contraste grotesco com o piso já desgastado e encardido da entrada lateral que levava a uma escadaria.

O interfone tocou e seu corpo esquentou. Após todos os protocolos que a situação exigia (e que eram no mínimo cômicos), a porta do apartamento abriu com um ranger consoante ao das outras portas do pavimento. Ali tudo era decadente, e tudo que acontecia ali era decadente, entretanto não significava não ser prazeroso.

Sem mais protocolos, aquele paletó que tanto escondera a masculinidade viva daquele belo exemplar ariano estava no chão. Bem como suas calças, sapatos e demais vestimentas. Aquele piso de madeira há muito sem nenhum tipo de polimento contrastava novamente com o sapato reluzente. Era certo que só pisava em algo que era inferior.

Sobre o colchão, nada além de dois corpos, agora sim com igualdade: nús. Quantos protocolos mantidos com exaustão pela história são facilmente desprezados e negligenciados para se ter prazer!

A luz que do sol era filtrada pela camada de poeira que já fazia-se estável sobre a superfície vítrea da janela entre-aberta. Tudo era desejo, e o menino franzino se colocava submisso ao seu viril dono. Naquele momento sentia-se como sua mãe. Isso o felicitava, era tão digno quanto ela. Concedia prazeres. E tornava-se mais digno em seu âmago por saber que não cobraria nada por aquele prazer submisso. Isso o fazia mais íntegro que sua genitora. Era assim que ele decidira inconscientemente aceitar sua vida medíocre. Era mártir de um prazer invasivo e de um macho que o dominava por não prometer nada além de companhia em tardes vazias.

O suor já deixava seu odor peculiar no ambiente. A sincronia entre os corpos transformava aquilo em uma dança orgástica. E assim se completou aquele primeiro momento de consumo de prazeres. Após fumarem um cigarro, os pés sentiram o frio do ladrilho rubro. O calor da água era diferente, mas revigorante.

Ainda não estavam saciados, necessitavam ficar nús, usando um o corpo do outro como redenção aos desejos. Não existia amor, existia compreensão. Sem textos delineados ou protocolos do mundo lá de fora. Enquanto mantinham-se despidos, não precisavam nada além de desejo, cigarros e paredes vazias.

Um comentário:

Unknown disse...

Como sempre, um primor de conto...
Tenho muito orgulho de ter um padrinho loooosho assim!
BjMeDivulga